Jun 27, 2025

O gigante invisível

Jorge Caldeira

Paraíso Restaurável

Os conceitos são ambientais – mas a realidade das mudanças na área climática está sendo construída em outra esfera de atividade no mundo, sem que muitos atores se deem conta.

A fundamental necessidade de preservação da natureza tem hoje um parceiro relevante no mundo dos mercados e dos negócios – mas essa combinação aparece como um paradoxo insolúvel para quem pensa que mercado é o problema a ser resolvido para salvar a natureza.

Foi assim durante muitas décadas. No início dos anos 1980, quando lancei a revista Pau Brasil, uma das primeiras a lidar com a questão ambiental no país, o material editorial se resumia a dois tópicos: uma lista dos males que a atividade humana causava na natureza, de um lado, e as ações de pioneiros que procuravam preservar o que ainda sobrava, de outro. O realismo era incapaz de dar conta de tudo, de modo que uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, escrita especialmente para o número dois da publicação, dava conta com maior precisão da dupla tarefa de descrever as espumas tóxicas que corriam rio Tietê abaixo e relembrar a beleza da natureza preservada.

Essa visão na qual produção humana e natureza aparecem como conceitos antitéticos, por outro lado, impede de pensar com clareza no maior movimento de investimentos econômicos da última década. Para entender um futuro da natureza, hoje é preciso começar dos números e dos negócios.

Indo direto ao maior: os investimentos em transição energética limpa devem superar, ainda em 2025, a casa dos US$ 2 trilhões. Serão gastos em energia solar, eólica, carros elétricos, baterias, grids de eletricidade, reforma de casas e cidades, etc. A frase acima lembra o Padre Vieira: “Sem comparação, não há miséria”.

Números altos e listas compridas não querem dizer muita coisa; só ganham outro sentido quando postos em escala. Não há nenhum item de investimento econômico que chegue perto desse valor na atualidade da economia mundial.

Para ficar no caso mais conspícuo, as estimativas mais otimistas de investimento em Inteligência Artificial, ao longo de 2025, estão batendo em US$ 700 bilhões – apenas um terço daquilo que está sendo aplicado na transição energética.

A comparação aqui não precisa se limitar aos números. A gigantesca catadupa de especulações escritas em torno do futuro que estaria sendo criado com a inteligência artificial contrasta vivamente com o quase silêncio com que analistas tratam a transição energética.

A razão é singela: a grande maioria dos ambientalistas ainda funciona na base da antítese entre mercado e natureza.

Para ser bem direto, simplesmente costumam desconhecer os dados econômicos em seus raciocínios. Na via inversa, quem argumenta a partir de números nem sempre se lembra de mostrar o que está sendo construído como preservação.

Não se trata de um problema simplório. A respeito dessa complexidade, nada é mais ilustrativo que o caso dos debates em torno do mercado de petróleo

Por décadas vigeu uma coincidência estatística que tinha precisão quase de lei econômica: o crescimento da economia mundial coincidia com o crescimento do consumo de petróleo e gás no planeta. Essa coincidência estatística alimentava todo um sistema de planejamento econômico: as previsões de crescimento da economia mundial entravam nas planilhas de investimentos da indústria petrolífera. As contas eram aceitas por bancos e investidores. Os investimentos nela cresciam no ritmo das contas.

Deixou de ser assim a partir de 2015, num movimento que começou de maneira quase imperceptível – até o Covid. Na década de 2020, os investimentos na transição energética passaram a crescer depressa, enquanto aqueles em petróleo estagnavam. Em 2015, os investimentos nas duas modalidades eram iguais; uma década depois, o investimento em renováveis vai ser o dobro do petróleo, no qual o valor é hoje menor que uma década atrás.

A percepção dos efeitos de longo prazo dessa mudança radical foi lenta. Apenas em 2022 surgiu um modelo de previsão no qual o crescimento da economia mundial e aquele do mercado de petróleo se descolaram significativamente, feito pela Agência Internacional de Energia.

Houve uma grita violenta da Opep, o cartel do petróleo, contra a nova metodologia – que ainda se estende. Mas os números são duros. Para resumir a ópera, em 2025 a economia mundial deve crescer em torno de 3%; o da produção de petróleo não deve chegar a 1%.

O caso mais evidente para entender o descolamento deve acontecer na China neste ano: um crescimento de 5% na economia e estagnação ou decréscimo no consumo de petróleo.

Para comparar: a China deve crescer a atividade econômica em algo como 2/3 do PIB brasileiro sem gastar petróleo com isso; deve instalar – em 12 meses -- o equivalente a três vezes o total da produção elétrica brasileira, apenas em energia solar. Talvez fabrique 17 milhões de veículos elétricos, cinco vezes a produção total da indústria brasileira.   

Falar de ambientalismo em linguagem econômica talvez seja um exercício útil nesse momento – ao menos, eu espero não ter fatigado você, caríssimo leitor, com essa tentativa.

*Jorge Caldeira é autor de 15 livros sobre história brasileira, entre eles História da riqueza no Brasil e Mauá: empresário do Império, é co-autor de Paraíso Restaurável (2020), indicado ao Premio Jabuti 2021. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 2022.

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